'Nuno Dias', 43 anos. O nome é fictício, mas já vão perceber
porquê. Apanhei o 'Nuno' numa azáfama de contactos telefónicos. Do outro lado,
eu não ouvia, mas conseguia perceber sempre a mesma pergunta: "Tens
bilhetes para o jogo?" Escusado será dizer, que o encontrei nas imediações
do estádio Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria. A lotação para o jogo entre
Portugal e a Bélgica estava esgotada, e quando assim é, abre-se uma janela de
oportunidade para o 'Nuno'. É assim que ele 'ganha a vida'. A experiência
ensinou-o a "falar em código". "Segui as pisadas do meu
pai, que já vendia tudo o que eram bilhetes. O que importava era ganhar
dinheiro para alimentar os 9 filhos. Eu fui o único que segui as pisadas
dele. Para mim isto é um modo de vida. Chega mesmo a ser um vício com uma
valente dose de adrenalina", conta com orgulho. Um orgulho tão vincado e
genuíno, que nem se preocupa em esconder o 'segredo' do negócio. "O
importante é estar atento à polícia, às promoções, e às campanhas
onde possa investir para depois ganhar algum. Não são bilhetes falsos. Na
realidade, apenas os estou a beneficiar dos preços a que os comprei. Mas
também só compra quem quer".
Embalado pela conversa, sempre interrompida por mais um
contacto, começa a falar do Ronaldo: "Ele ainda hoje me conhece,
porque quando era novinho, recolhia os bilhetes dos convites que recebia e
vinha vender-mos a mim. É um bom miúdo e olhe que já se
notava olho para o negócio", diz com ar descontraído, em contraste
com o meu ar de espanto. Adiante.
Voltando ao negócio, considera-se injustiçado por o seu
estilo de vida ser considerado crime. "Acho que há coisas bem piores
que isto. Devia ser legal. Nem que pagássemos uma taxa. Se fosse droga era
pior. Aqui não há redes organizadas. É cada um por si". Percebe-se a
'revolta'. 'Nuno' já cruzou as portas dos tribunais por diversas vezes e
saiu de lá com penas suspensas ou a obrigatoriedade de cumprir trabalho
comunitário. Mas, ironia das ironias, o seu contacto não ficou esquecido nos
corredores dos palácios da Justiça. "A parte com piada, é que chego a
ter contactos de juízes, advogados e até de polícias, que me ligam a
pedirem bilhetes".
Leiria, 29 Março 2016
Rui Miguel Pedrosa
0 Comentários