“Joe” (nome fictício), 29 anos. O "Joe" aceitou logo participar do projecto, mas com condição de não ser identificado, nem ele nem o seu filho. “Tu vais perceber quando eu contar a minha história”, disse-me. A conversa foi toda em inglês, e foi a entrevista mais longa que já fiz.
"Eu nasci aqui em S. Miguel, Rabo de Peixe. Os meus pais emigraram para o Canadá quando eu era muito novo e eu fiquei a morar com os meus avós durante vários anos, mas era horrível. Eu tinha muito problemas e passei por muita coisa pelas quais as crianças normais não têm de passar. Nós tínhamos muitas dificuldades e tínhamos de lutar muito por tudo, por comida, por trabalho...não haviam trabalhos, era difícil pôr comida na mesa." Com cerca de 9 anos, o "Joe" mudou-se para o Canadá, sem mais do que um bilhete para Toronto e um passaporte. Num país que desconhecia por completo, foi viver com os seus pais, duas pessoas que também desconhecia: "Eu já não os via há tanto tempo, acho que nem tinha 2 anos quando foram embora e nem os reconheci. Foi tão difícil. Sabes o que me aconteceu na primeira semana? O meu irmãozinho tinha uma bicicleta, eu eu nem sabia o que era ter uma bicicleta, e comecei a correr atrás dele, estava descalço, estava em Toronto, descalço!, e eu tanto corri atrás dele que me perdi, não sabia onde estava. Depois um polícia viu-me, assim descalço e perdido, e tomou conta de mim. Deu-me um saco de batatas fritas e levou-me a casa. Mas a minha mãe disse logo 'este vai ser problemático!'", contou rir. Num tom bastante mais sério diz: "eu sempre fui um bocadinho problemático. Eu bem que tentei, eu fui para a escola... mas a minha mãe precisava de dinheiro, e eu comecei a trabalhar, talvez com uns 12 anos."
Mas foi em 2008 que o "céu desabou" completamente: "eu tinha de fazer dinheiro, não arranjava trabalho e não podia deixar o meu irmãozinho a passar necessidades.... Comecei a vender droga. Fiz o que tinha de fazer para sobreviver. É claro que não é a vida que queremos, percebes? A ideia de sucesso é trabalhar duro e ser um bom cidadão, mas a verdade é que tens de ir à luta, ninguém te vai aparecer à porta com um prato de comida.” Depois quando o seu registo criminal o trouxe de volta para a ilha onde teve uma infância tão difícil. "Não tínhamos nada legalizado, os meus pais foram deportados. E depois foi a minha vez, porque fui condenado por ‘crime de ofensa corporal’, não tive grande opção, era ele ou eu. Foram tempos perigosos. Fui deportado e foi difícil, não havias trabalhos. Dei o meu nome no fundo de emprego há 5 anos e ainda nada. Conta que tudo aconteceu de uma forma muito natural porque o negócio da droga reina nesta ilha. Diz não vender nas ruas e que pouco tem contacto físico com as drogas, apenas sabe como se movimentar nos círculos certos e as pessoas "tratam de tudo". Ainda hoje em dia sente a necessidade de continuar no negócio porque tem uma mulher e um filho e quer poder sustentar a sua família, mas reforça que "se me derem um trabalho, eu garanto que o aceito". Com um ar de orgulho com o seu miúdo ao colo, diz-me: "eu tenho um filho agora, tudo é diferente. O meu primeiro filho!, eu sempre quis ter filhos e quando ele nasceu.... 'man', foi o melhor dia da minha vida. Eu faço o melhor que posso todos os dias para sustentá-lo. Vender drogas, fazer dinheiro."
O "Joe" não se preocupa demasiado com o futuro, mas diz que não quer viver deste negócio toda a vida. Acredita que todos têm as suas lutas e os seus problemas, mas ao fim ao cabo temos todos de fazer o melhor das situações. "Temos de viver a vida, sem muitos planos, viver dia a dia... Eu não sou feliz aqui, não é o que eu queria. É o que é. Mas sou feliz por ser pai", disse por fim. Que o “little Joe” tenha o melhor pai do mundo. Obrigado pela franqueza “Joe”.
Rabo de Peixe. 10 de Fevereiro de 2016
Rui Soares
1 Comentários
Um blog fantástico,várias lições de vida!!!! Parabens piu lo vosso trabalho!! Maior sucesso
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