Joaquim Pereira, 79 anos. Foi temperador de aços, na Marinha Grande, até ser obrigado a reformar-se por invalidez. “O trabalho era duro. E como tive de ser operado e tenho próteses nas pernas, tornou-se incompatível com o trabalho”. Pedi-lhe para contar a sua história de vida, ou um episódio que o tenha marcado. Rapidamente esboçou um sorriso e começou a desfiar uma história. “É impossível não me recordar da noite de dia 1 de Janeiro de 1951, tinha na altura 14 anos. Era noite de passagem de ano e cheguei super tarde a casa. Olhe, levei uma coça tão grande do meu pai, que acabei por me chatear e sair de casa”. Perguntei, para onde se dirigiu. “O meu objectivo era simples, ir para Lisboa. Era a cidade da moda que toda a gente queria conhecer. E fiz-me a estrada. Demorei 3 ou 4 dias a chegar lá. Uma parte do caminho a pé e outra parte à boleia. De carroça! Sim, porque na altura, pouca gente tinha carro. Não havia muitos em Leiria”. Fiquei curioso para saber o que fez quando lá chegou. “Não tive muita sorte, no primeiro dia, fui logo apanhado pela PSP. Estranharam um miúdo sozinho, num jardim, à noite, e levaram-me para o posto. Contei a história, que ainda tinha marcas da sova que levei. Então ligaram para o posto de PSP de Leiria, onde o meu pai já tinha feito queixa que eu tinha desaparecido”. Naquele momento, dei o palpite que tinha levado outra ‘sova’. Mas não. Joaquim sorriu e disse: “Pelo contrário. O meu pai não me bateu e lá em casa parecia que estava num hotel”. “Naquele tempo a educação e a falta de educação aliava-se a uma certa rebeldia, mas no final todos tínhamos muito respeito pelos mais velhos, a família, a escola. Hoje em dia, isso não acontece”. Revelou que não era uma altura fácil para o país, que o mundo tinha acabado de sair duma guerra mundial. Não havia computadores ou televisões, entretiam-se na rua. “As necessidades que havia naquela altura eram bem diferentes daquelas que são actualmente. Antigamente as pessoas tinham necessidades mas tinham dignidade. O que actualmente, é raro”.

Leiria, 5 Fevereiro 2016
Rui Miguel Pedrosa