"estou há meia hora à espera do eléctrico" foi a primeira coisa que me disse, com um ar de aborrecido pelo tempo de espera!
Expliquei-lhe o projecto e quando disse que era fotógrafo soltou o primeiro sorriso "então quer dizer que hoje vou ser eu o seu estranho?". Veio tomar o pequeno almoço ao Chiado e agora está à espera do eléctrico para ir para casa. Uma das suas grandes paixões é a fotografia, disse que só se deixava fotografar por uma Leica mas logo de seguida riu-se dizendo que estava a brincar.
Outra das suas grandes paixões é a vida militar. Foi militar e esteve em Goa em missão no ano de 1961 e no fim desse mesmo ano, 18 de dezembro, as forças adversárias bombardearam a base militar portuguesa e os que sobreviveram foram presos. Esteve 148 dias preso.
É viúvo. Fez recentemente pouco mais de um ano que a "mulher da minha vida partiu. Sim ela não morreu, ela partiu, é diferente". Emocionado contou-me inúmeras histórias com a sua mulher. O sr. Luís para além da fotografia e da vida militar adora escrever. Escreve todas as noites uma mensagem que diz que é a sua mulher que o "manda" escrever: "Força Luis. A vida continua. Um beijinho". Disse-me que é a fé que o mantém de pé e que a morte da sua mulher foi um "cair num poço sem fundo" e por isso escreve como se fosse a sua mulher a escrever para ele, para interiorizar a mensagem de que "a vida continua".
No fim o sr. Luís disse-me "sabe, eu já teria ido a pé para casa porque o eléctrico nunca mais chega, mas chegou aqui um rapaz que me queria tirar uma fotografia e por aqui fiquei. A vida é como um puzzle e ainda bem que não fui a pé, fiquei à sua espera, à espera de falar. E o senhor foi a peça de hoje. Falar faz bem. Obrigado"
Demos um abraço, e o eléctrico chegou!
Obrigado eu Luís. A vida continua.
João Porfírio
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