Maria Teresa S. 77 anos. Ao passar pela casa da D. Maria Teresa, ouvi-a a dizer ao neto - que ia a sair para passear de bicicleta: “eu vou-te vigiar, vou ver se tens cuidado, vou-te vigiar!”, o que me fez começar à conversa com ela imediatamente. “Isto hoje em dia é preciso ter muito cuidado, os carros andam muito depressa e não têm cuidado, é preciso ter um olho sempre em cima dos netos,” diz ela. “A gente antiga tem medo, não fomos criados com estas coisas, estas bicicletas, e depois temos medo porque este mundo está terrível”. Em conversa contínua, fala-me um pouco de si: “trabalhei em casa de uns engenheiros de Lisboa e depois trabalhei na correctora, mas o meu marido ficou muito doente, reformou-se e tive que ficar a tomar conta dele. Este pequeno que viste não é meu neto, sou tia avó dele, criei-o a ele e ao pai porque só tive um filho e morreu aos 20 anos”. Conta-me que a vida não está nada fácil, e que é muito difícil pagar a sua medicação e a do marido, "todos os meses é um dinheirão”. Mesmo assim, acha que os tempos de hoje não são assim tão maus, mas "antigamente vivíamos com fome, a assistência social é que nos dava tudo, penava-se um bocadinho mas a vida sabia melhor... não havia tanta doença, tanta desgraça". Quase que num só fôlego e sem me deixar falar, continua: "Vivia-se muito mal porque queríamo-nos vestir e não havia, para tomar banho tínhamos sempre que esperar. Antigamente, quem vivia do mar não tinha nada, agora é diferente, nós só queremos o “Pai Nosso”, e Deus deu-me um bom marido e um bom amigo, estamos casados há 47 anos. É uma coisa única, temos sempre altos e baixos mas temos aquela coisa antiga que primeiro é o marido.” Sempre com o neto sob a vista, diz: "ele queria ir para o mar mas não deixei porque está muito frio, fica aqui a andar de bicicleta”. Despedimo-nos a rir porque ela, de facto, tinha de vigiar o neto.
Ponta Delgada. 4 de Janeiro de 2016
Rui Soares
0 Comentários